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Suas escolhas já não são mais suas

Ao longo do tempo, o conhecimento da psicologia humana avançou muito, e a tecnologia muito mais

Autor: Christiano SobralFonte: 0 autor

Ao longo do tempo, o conhecimento da psicologia humana avançou muito, e a tecnologia muito mais. Vindo, da união destas duas o meio como suas escolhas estão sendo direcionadas.

Escolher é um ato de liberdade que acaba por lhe constituir enquanto indivíduo. Você é a soma das suas próprias escolhas. Influir, modificar, conduzir as suas escolhas é, no fim, uma forma sutil de domínio; sendo exatamente o que você está sofrendo agora.

Víeis da Disponibilidade

Seu cérebro não é uma massa pacífica de neurônios que fica aguardando ser motivado para reagir. Cada pensamento resulta de uma disputa entre diversas dessas células, prevalecendo, na tomada de decisão, as informações mais disponíveis frente às mais antigas.

Por exemplo, ao tentar avaliar um produto, ou uma pessoa, seu julgamento será mais influenciado pelas notícias e informações recentes sobre elas do que pelas ocorrências de uma ou duas semanas atrás, ainda que estas sejam mais relevantes. Sendo um meio de conduzir suas escolhas simplesmente disponibilizar mais informações sobre determinada coisa do que sobre outra.

Imagine que o foco em questão fosse um centro comercial x em detrimento de um outro que chamaremos de y. Numa ação conjunta, seu algoritmo de rede social pode apagar as postagens do y, ou colocá-las no fundo do seu feed, enquanto evidência mais as postagens do x; seu aplicativo de navegação poderá sugerir caminhos que não passem na frente do y, mas que lhe levem a estar, com mais frequência, parado na frente do x. E ainda seu aplicativo de notícias poderá dar mais evidência a pequenas notícias negativas de y em detrimento de x.

Pouco a pouco, essa disponibilidade de x vai lhe fazer tender a ignorar y. Não será na totalidade, mas será o bastante para que a vantagem de x, comercialmente, sobre y, compense o investimento feito.

Víeis da confirmação

Uma vez implantada uma preferência em seu cérebro, ele mesmo fará o trabalho de tentar mantê-la. Daí a importância dos memes na condução do seu pensamento.

Eles não são gracinhas inocentes, são construídos para reforçar ideias já implantadas em você. Por exemplo, um vídeo engraçado onde pessoas caem sempre que passam pela porta de vidro do centro comercial y, ou onde tem sempre pessoas fazendo bobagem nos corredores de lá, são meios de reforçar a ideia de que a qualidade do serviço, e o público relacionado, não é equivalente ao que você busca, ou ao que você encontra no concorrente x.

Como você já está tendendo pela escolha da opção x, esse reforço fará com que você entenda como legítima e justificada a sua escolha.

Efeito manada

Também não somos independentes de pensamentos, afinal somos seres sociais e nossa principal estratégia de sobrevivência é fazer parte, ser aceito. Para tanto, copiamos o que vemos, nos vestindo parecido com quem convivemos, tendendo a torcer pelas mesmas coisas que os nossos amigos torcem e a ter a mesma crença que eles.

Então, se nossas redes sociais exaltarem fotos, vídeos e comentários de quando meus amigos estão no centro comercial x, vou querer cada vez mais que eu também seja visto lá. Se eles curtem, ou seguem, este shopping, farei o mesmo como meio de buscar ser aceito.

A manipulação do desejo de aceitação também está nos influenciadores comprados, que são aquelas pessoas que, por algum motivo, passam a ter inúmeros seguidores. Estes, quando fazem uma declaração contra x ou favorável a y, influenciam quem os segue; pelo fato de o cérebro entender que, para manter sua identificação com aquele personagem, não pode distanciar-se muito do seu modo de pensar.

Todos esses três vieses simples, usados sobre uma base de dados disponível sobre você e seus hábitos, coletados por sua autorização a partir do seu relógio inteligente, pulseira, ou smartphone, são bastante para possibilitar a uma inteligência artificial criar um modelo de você e depois, por meio de limitações simples como as do nosso cérebro, conduzir suas escolhas. Porém, como somos as escolhas que fazemos, na verdade o que está sendo mudado é exatamente o que você é.

Sua fragilidade e exposição até tem base legal para ser combatida, que é o que se propõe a LGPD. Entretanto, na pressa de usar uma novidade na internet, ou de ver uma notícia em um jornal, ou ainda obter o serviço da moda; somos nós mesmos que autorizamos que sejamos mapeados, estudados e acompanhados por ferramentas inteligentes.

Arcabouços legislativo, ameaças de multa… Não vão lhe proteger das escolhas que você mesmo faz. A prudência e atenção precisam ser suas: a solicitação para não ter seus dados compartilhados, para não permitir cookies, precisam vir de você; ou você estará sujeito a ser manipulado.

Pense sobre tudo que você leu acima e pense na disputa eleitoral atual. Nenhum dos artifícios mostrados aqui, a rigor, ferem a lei, mas se você parar, seja você favorável a que candidato for, perceberá como várias pessoas são hoje completamente diferentes do que eram antes desta disputa começar. Pois sim, também aqui se moldam escolhas, e com maior precisão que as hipóteses apresentadas; com agravo da dificuldade de caracterizar como crime e, ainda que o faça, identificar os culpados.

Hoje, a disputa se concentra na manipulação do seu pensamento, não em propostas reais ou ideologias verdadeiras. A cortina de fumaça tornou-se a razão da sua escolha.

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