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Auditoria suplanta a mera conformidade legal

As Leis nº 6.404/76 (Sociedades por Ações) e nº 11.638/07 promoveram grande avanço na contabilidade brasileira, apesar de ambas serem passíveis de críticas

As Leis nº 6.404/76 (Sociedades por Ações) e nº 11.638/07 promoveram grande avanço na contabilidade brasileira, apesar de ambas serem passíveis de críticas. Enquanto a primeira orientou-se pelas práticas contábeis norte-americanas, a segunda teve como objetivo atualizar a legislação da década de 1970, convergindo a contabilidade nacional à internacional, por meio das famosas International Financial Reporting Standards (IFRS), emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB).

 

No Brasil, até o ano de 2007 havia a obrigação de se publicar a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos, demonstrativo exigido pelos reguladores norte-americanos até 1987, quando o APB opinion nº 19 foi substituído pelo FASB 95 "Statement of Cash Flows”, com a finalidade de detalhar o fluxo de caixa.

 

Recentemente, com a emissão da Lei nº 12.973/14, a Receita Federal passou a considerar – de maneira ainda não totalmente absorvida pelos profissionais da área contábil– que as regras emanadas pelo IASB, e encampadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sejam aceitas para a elaboração das demonstrações contábeis, servindo portanto de base para a distribuição de dividendos.

 

Já Lei nº 11.638/07 obrigou as empresas de grande porte, ainda que limitadas, a serem examinadas por auditores independentes registrados na CVM, universo composto por quase 400 players da área, todos sujeitos ao cumprimento das mesmas obrigações impostas às chamadas "Big Four".

 

Muitas delas, mesmo que a lei não exija, possuem seguro de responsabilidade civil, um diferencial expressivo para proporcionar conforto adicional aos seus clientes, pois embora a auditoria seja um trabalho de asseguração razoável (bem acima dos 95% das pesquisas eleitorais tão comentadas nos dias de hoje), é feito sobre bases amostrais, o que torna possível a não detecção de erros ou fraudes.

 

Partindo desta premissa, se 30% dos ativos não realizáveis, ou dos processos de perda provável que afetem materialmente o resultado e o patrimônio líquido da entidade auditada, deixarem de ser identificados pelo auditor, provavelmente houve falha em sua atuação.

 

Para evitar discussões subjetivas neste campo, é fundamental entender o teor do art. 3º da Lei nº 11.638/07. Segundo este trecho, Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.

Parágrafo Único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).

Ocorre que não há qualquer obrigação pecuniária para as empresas que descumpram a lei. Ao mesmo tempo, as companhias com baixa governança corporativa – extremamente capitalizadas ou com grandes dificuldades de caixa –, sempre foram pródigas em desprezar a determinação legal, mesmo quando as instituições financeiras lhes solicitavam os Relatórios dos Auditores Independentes (o antigo parecer).

A partir do exercício de 2014, a Receita Federal passou a exigir no SPED Contábil o nome e o número do registro do auditor independente responsável pelo relatório de auditoria. Mesmo quando também descumprida, esta obrigação igualmente não resulta em multa pecuniária, mas não duvide que tenha grande potencial em alertar a Receita Federal sobre possíveis fraudes fiscais.

Embora o trabalho do auditor não tenha como objetivo precípuo a identificação de fraudes, as normas internacionais de auditoria, a partir da NBC TA 315 – identificação e avaliação dos riscos de distorção relevante por meio do entendimento da entidade e do seu ambiente –, determinam que em seu planejamento o profissional considere os procedimentos de avaliação de riscosde auditoria aplicados para a obtenção do entendimento da entidade e do seu ambiente.

Inclui-se a isso o entendimento do controle interno da entidade, para a identificação e avaliação dos riscos de distorção relevantes, independentemente se causada por fraude ou erro, nas demonstrações contábeis e nas afirmações.

Em resumo, a auditoria externa das demonstrações contábeis traz inúmeras vantagens para as empresas que se preocupam em manter uma estrutura decompliance que privilegie o crescimento sustentável em prol dos acionistas.

Entre os benefícios, destacam-se as melhorias dos controles internos; produção de demonstrações contábeis com informações mais completas e atualizadas pelas normas de contabilidade; menor custo e/ou maior facilidade na captação de empréstimos; redução na exposição do risco fiscal em função da alta complexidade tributária existente no Brasil; e até a redução de custos, ao ajudar, com suas recomendações construtivas, a evitar perdas financeiras e profissionais.

A partir desta análise fica claro que qualquer empresa de médio porte que deixe de ter suas demonstrações contábeis examinadas por auditores independentes encontrará mais dificuldade para obter operações financeiras, enquanto as de grande porte que não o fizerem simplesmente descumprem a lei, tendo como agravante o fato de se tornarem bem mais visadas pelas autoridades fiscais.

 

(*) Marco Antonio Papini é sócio-diretor da Map Auditores Independentes e vice-presidente da CPAAI Latin America.

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